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Como aliança entre Trump e big techs aumenta pressão sobre governo Lula e STF

Pressão e posição incômoda

Foto -Reuters

Simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro durante invasão aos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023

 Invasão das sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023 fortaleceu posição a favor de regulamentação

Para os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o alinhamento de Trump com as big techs de redes sociais coloca o Brasil em uma situação incômoda.

Isso acontece porque, segundo eles, há uma convergência entre o governo e o STF de que o suposto recrudescimento de grupos radicais de direita teria ocorrido, em parte, graças à falta de regulação das redes sociais no país.

Essa interpretação teria ficado ainda mais consolidada depois dos atos de 8 de janeiro de 2023, quando milhares de militantes contrários à vitória de Lula invadiram as sedes dos Três Poderes.

“É preciso criminalizar aqueles que incitam a violência nas redes sociais, mas também é necessário responsabilizar as empresas pelos crimes que são cometidos nas suas plataformas, a exemplo da pedofilia, incentivo a massacres nas escolas e estimular a mutilação de adolescentes e crianças”, disse Lula em fevereiro de 2024.

Na avaliação dos especialistas, a expectativa é de que as empresas de tecnologia possam impor ainda mais resistência às tentativas de regulação desenhadas pelo governo brasileiro.

“As empresas vão adotar uma posição, com o apoio do governo dos Estados Unidos, para impedir que regulações e outros países sejam aprovadas implementadas”, disse a coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Renata Mielli, à BBC News Brasil.

O CGI.br é um comitê criado em 2003 com o objetivo de estabelecer diretrizes sobre o uso e desenvolvimento da internet no Brasil e que conta com a participação de integrantes do governo, do setor privado e de organizações não-governamentais.

Segundo ela, o ambiente global para a discussão e implementação de regulamentações para redes sociais ficou mais desafiador.

Mielli explicou que o movimento em direção a uma maior regulação das plataformas digitais não acontece apenas no Brasil, mas também em outras partes do mundo como na Europa continental, no Reino Unido e na Austrália.

Ela diz que lá, assim como no Brasil, essas tentativas também vêm enfrentando resistência por parte das empresas. Por isso, a saída de Joe Biden da Casa Branca é considerada um obstáculo para o avanço desse tipo de agenda.

“Dentro dos limites do governo democrata de Joe Biden, houve um reconhecimento dos efeitos negativos que as plataformas sociodigitais trazem para o ambiente informacional […] acho que, agora, as democracias perdem”, afirmou Mielli.

A coordenadora do CGI.br disse que esse alinhamento entre Trump e as big techs é preocupante.

Ela cita como exemplo a decisão da Meta, anunciada no início de janeiro, de abandonar a política de checagem de fatos feitas por entidades parceiras, atendendo a uma crítica de Trump e outros políticos republicanos.

“Isso me preocupa e eu acho que deveria preocupar a todos pela dimensão política da manifestação de uma empresa que tem presença internacional e que tem um poder econômico maior do que o de muitos países”, afirmou.

Para o professor de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado, o principal impacto desse alinhamento entre Trump e as big techs sobre o Brasil é um aumento na dificuldade de implementar a regulamentação das redes sociais.

Ele conta que, em meados de 2023 e ao longo de 2024, as empresas de tecnologia teriam voltado a discutir o projeto de lei sobre o assunto e haviam concordado em ceder em determinados pontos para que o texto pudesse ir, finalmente, à votação.

Agora, Ortellado disse acreditar que esse gesto de conciliação pode ser revertido.

“Essa mudança [de posicionamento das big techs] vai dificultar a aprovação de uma regulamentação. Esse projeto enfrentou muita resistência dos bolsonaristas, mas depois as empresas foram cedendo em vários pontos. Ao final, as empresas já não eram mais o principal obstáculo à votação”, disse o professor à BBC News Brasil.

“O que podemos ver é que aquele movimento de empresas como a Meta, que haviam cedido na tramitação da regulação no Brasil, pode ser revertido. Acredito que as empresas vão voltar a fazer oposição contra a regulação. E agora, vamos ter o Departamento de Estado dos Estados Unidos atuando junto”, complementou.

A menção ao Departamento de Estado é em função das declarações de Marco Rubio, indicado para comandar o órgão. O nome dele foi aprovado para a função pelo Senado nesta segunda-feira (20/01).

Um dos principais aliados de Trump, Rubio vem cultivando laços com executivos das empresas de tecnologia.

Em novembro do ano passado, por exemplo, teve um jantar com Mark Zuckerberg pouco após a vitória de Trump à presidência.

Em setembro, ele também se colocou ao lado de outro magnata da tecnologia, Elon Musk, quando criticou a suspensão do X no Brasil determinada por Alexandre de Moraes.

“A proibição nacional do X no Brasil, durante o governo Lula, levanta sérias preocupações sobre liberdade de expressão e excesso de poder judicial”, disse Rubio à época, em uma postagem que continha a foto de Alexandre de Moraes ao fundo.

Foto Reuters – Alexandre de Moraes vem sendo duramente criticado por políticos de direita e por empresários como Elon Musk por sua condução em investigações que tramitam no STF

Reação brasileira?

Apesar do cenário caracterizado como desafiador, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil não apostam que o governo brasileiro ou o STF possam mudar de posição em relação à defesa de que o setor precisa ser regulado.

“Não acredito que vai haver recuo por parte do governo brasileiro e nem por parte do Judiciário. As empresas terão que respeitar o Estado democrático de direito se quiserem prestar serviços de acordo com a lei nacional”, disse Renata Mielli.

Uma amostra de que o posicionamento do Brasil pode se manter o mesmo foi dada no início do mês, após a mudança de política de checagem de fatos anunciada pela Meta — considerado o episódio mais recente de alinhamento entre as big techs e o governo Trump.

“Acho extremamente grave as pessoas quererem que a comunicação digital não tenha a mesma regulação de mercado do que um cara que comete crime na imprensa escrita […] Queremos na verdade que cada país tenha sua soberania resguardada. Não pode um cidadão, dois, três, achar que pode ferir a soberania de uma nação”, disse o presidente.

A resposta de Lula veio acompanhada de medidas administrativas tomadas pelo governo.

Na semana passada, a Advocacia Geral da União (AGU) notificou a empresa a esclarecer se as mudanças também valeriam para o Brasil. A empresa enviou uma resposta ao órgão afirmando que, em princípio, as mudanças valeriam apenas nos Estados Unidos.

Mesmo assim, a AGU disse que as mudanças causaram “grave preocupação” em função da política a ser adotada pela companhia em relação ao combate ao discurso de ódio.

Outra demonstração do governo foi dada pelo novo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, que também criticou as mudanças na Meta em sua cerimônia de posse.

“Medidas anunciadas recentemente pela Meta são ruins, porque afrontam os direitos fundamentais e a soberania nacional, e criam um faroeste digital. Buscaremos incentivar os processos regulatórios”, disse Palmeira.

As respostas do governo, no entanto, vieram moduladas de forma a não confrontar a nova administração Trump.

Um diplomata ouvido pela reportagem afirmou que a linha a ser adotada pelo governo brasileiro em relação à nova gestão de Trump é de pragmatismo e cautela.

A ordem, segundo ele, seria evitar arestas — sobretudo porque, como é público, Trump apoiou Jair Bolsonaro nas eleições de 2022 e chegou a convidá-lo para a posse.

Na segunda-feira (20/01), Lula enviou mensagem semelhante a seus ministros.

“Tem gente que fala que a eleição do Trump pode causar problema na democracia mundial. O Trump foi eleito para governar os Estados Unidos, e eu, como presidente do Brasil, torço para que ele faça uma gestão profícua, para que o americano melhore e para que os americanos continuem a ser parceiros históricos do Brasil”, disse durante uma reunião ministerial.

No Judiciário, as indicações públicas até o momento são de que não haverá inflexão.

Logo após o anúncio das mudanças na Meta, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que as empresas de tecnologia terão que respeitar as leis brasileiras se quiserem operar no país.

“Aqui no Brasil, a nossa Justiça Eleitoral e o nosso STF, ambos já demonstraram que aqui é uma terra que tem lei. As redes sociais não são terra sem lei. No Brasil, [as redes sociais] só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira. Independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das big techs“, disse durante um evento.

Para Pablo Ortellado, é remota a possibilidade de que o governo brasileiro ou mesmo o STF possam mudar suas posições em torno da necessidade de regulação das redes sociais.

Mas diante de uma nova frente de resistência das empresas de tecnologia em relação ao projeto que tramita no Congresso Nacional sobre o assunto, o professor teme que “a bola” tenha que ser decidida, uma vez mais, pelo STF.

Segundo ele, esta solução estaria longe da ideal.

“Isso pode ter consequências inesperadas […] Um dos problemas é que essa solução seria diferente da adotada por experiências internacionais.

Temos também uma questão que é a legitimidade do STF para decidir isso. Hoje, a Corte tem baixa credibilidade de metade do eleitorado. Deixar isso para o STF poderia aumentar ainda mais o tribunal”, disse o professor.

Alinhamento de Trump com big techs

Ao longo da campanha eleitoral de 2024, Trump passou a receber o apoio velado ou público de empresários do setor de tecnologia à medida em que foi se mostrando mais competitivo.

O movimento foi liderado por Musk, considerado o homem mais rico do planeta e que se associou a Trump em sua campanha.

Por sua atuação junto à campanha, Musk foi indicado como uma espécie de secretário para desburocratizar a administração federal norte-americana.

O apoio mais recente, porém, foi dado por Zuckerberg, CEO (diretor-executivo) da Meta, empresa que controla o Facebook, Instagram e WhatsApp.

Em um vídeo publicado no blog da Meta no início deste mês, Zuckerberg anunciou que a empresa vai acabar com a checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram.

Em sua declaração, Zuckerberg disse que os moderadores profissionais utilizados até agora são “muito tendenciosos politicamente” e que era “hora de voltar às nossas raízes, em torno da liberdade de expressão”.

A checagem de fatos nas plataformas será substituída por “notas da comunidade”, um sistema aberto aos usuários, semelhante ao do X.

O anúncio foi celebrado por defensores da liberdade de expressão absoluta e por apoiadores do presidente Donald Trump.

FONTE: BBC NEWS BRASIL

Redação Portugal

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