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Livro de Jó: como texto bíblico escrito há 2,5 mil anos combate ideia de teologia da prosperidade

2ª PARTE - Artigo sobre Livro de Jó

A história de Jó, um homem justo, fiel e paciente, está presente na tradição oral de povos do Oriente Médio há cerca de 4 mil anos. Em algum momento entre o século 6 e 5 antes de Cristo, contudo, esta história foi redigida em hebraico, na versão que está presente até hoje no Antigo Testamento da Bíblia.

Paciência de Jó

“Jó se dirige a Deus e descreve a condição humana por meio de seu exemplo. Por causa disso, não deveríamos ver Jó como um indivíduo ou uma pessoa isolada, não deveríamos olhá-lo como uma exceção”, argumenta Rossi.

“Ao contrário, ele é o porta-voz de uma história e de uma sociedade que estão repletas de contradições. Seu clamor não é um grito de uma só pessoa, mas o primeiro clamor de uma série, incluindo nossos próprios clamores, que, ao longo da história, têm se juntado como um modo de expressar que a dor, mesmo que intensa, pode ser vencida com a solidariedade.”

“O clamor sofredor e dolorido de Jó é uma clara advertência para que voltemos nossos olhos para a experiência dele se quisermos verdadeiramente encontrar a Deus, como também um discurso teológico que seja relevante para os nossos dias”, prossegue Rossi.

“A história revelada a partir da experiência de Jó é presumivelmente endereçada às pessoas proprietárias de terras e de rebanhos, mas que haviam perdido suas posses. A perda das posses foi ocasionada tanto por razões internas quanto externas. É importante observar que as razões internas e externas são instrumentos eficazes de desumanização.

Podemos até mesmo afirmar que elas foram os instrumentos mais penetrantes na pele do povo. É diante desse cenário alienante que nasce a teologia oficial dos amigos de Jó. Ela nasce do desejo de ensinar os camponeses, por meio da catequese, a ter paciência, a paciência de Jó, para aceitar tudo e, principalmente, permanecerem calados.”

Jó e sua esposa, em imagem do pintor francês Georges de La Tour

Domínio público –Legenda da foto,Jó e sua esposa, em imagem do pintor francês Georges de La Tour

Lições

Para o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leite de Moraes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “Jó é instigante” justamente porque “há múltiplas lições” que podem ser depreendidas da história.

“A questão da dor, do sofrimento, do por quê as pessoas sofrem ou acabam sendo levadas às vezes a uma situação de exaustão”, comenta. “O desafio de Satanás a Deus, metafísico, transcendental, faz com que Jó tenha sua vida completamente alterada.”

Essa aposta entre as entidades acaba funcionando como uma resposta que rebate a ideia “dessa teologia retributiva”. “Ou seja, do ‘seja bom porque automaticamente você será cercado de bondade'”, ilustra Moraes.

“Jó mostra que é possível manter a fé em Deus, a crença em Deus e na sua justiça mesmo em meio às dificuldades”, acrescenta ele.

Uma outra camada de interpretação trazida pelo teólogo diz respeito ao fato de que, a partir do relato de Jó, “os dramas humanos às vezes são desenhados pelos deuses sem que haja nenhuma possibilidade de alteração disso por parte dos homens, sendo eles bons ou maus, porque supostamente as coisas estão sendo decididas num outro plano”.

“Isso é complexo demais”, acredita. “Não é uma lição simples, é uma lição que faz com que as pessoas fiquem remoendo, afinal quer dizer que a riqueza e a pobreza não dependem do esforço humano: os deuses podem mudar suas vontades e suas intenções conformem seus interesses específicos”, diz Moraes.

A narrativa mostra que “não há a possibilidade de termos domínio pleno da existência”. “E isso nos leva a uma reflexão de que tanto a bondade quanto a maldade não dependem necessariamente de nossos atos, das coisas que fazemos, porque às vezes as decisões estão nas mãos das divindades”, acrescenta. “É como se fôssemos impotentes diante de forças que nós desconhecemos.”

Moraes vê em Jó “o grande símbolo de ter fé”. “Porque ter fé quando tudo vai bem é muito fácil. Ter fé quando as coisas estão completamente fora de controle, essa talvez seja a fé verdadeira”, analisa.

Para ele, a grande lição do livro é fazer pensar “na nossa relação com Deus”, seja em tempos fáceis, seja em tempos difíceis.

– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63990039

  • Edison Veiga   Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

FONTE: BBC NEWS BRASIL

Redação Portugal

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