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O desejo de saber

Para o homem não há saber completo, definitivo, satisfatório.

O presente artigo visa fazer uma reflexão acerca do desejo e do saber, permeando o desejo de saber e suas implicações no campo educacional.

Para tal entendimento tornou-se necessário discorrer pelas ideias de Sigmund Freud e Edgar Morin que tratam, respectivamente, do desejo e da complexidade do saber.

Neste artigo apresentamos uma abordagem sobre o desejo de saber unindo as considerações de Sigmund Freud e Edgar Morin, estudiosos que não tratam diretamente do desejo de saber em si, mas, um e outro ‘separadamente’.

No entanto, nossa incumbência valeu-se em integrar tais pensadores que tanto puderam contribuir aos nossos estudos para discorrermos acerca do desejo de saber e suas implicações na aprendizagem.

O Desejo

Para adentrarmos o nosso tema de estudo propriamente dito, surge a necessidade do entendimento de suas partes separadamente. Aqui traremos uma visão daquilo que permeia o cerne no nosso desenvolvimento do desejo de saber, para tanto procuramos encontrar uma forma mais esclarecida acerca dos significados de tais palavras. Vejamos as seguintes definições para o desejo:

Em filosofia, o desejo é uma tensão em direção a um fim considerado pela pessoa que deseja como uma fonte de satisfação. É uma tendência algumas vezes consciente, outras vezes inconsciente ou reprimida. Tradicionalmente, o desejo pressupõe carência, indigência. Um ser que não carecesse de nada não desejaria nada, seria um ser perfeito, um deus. Por isso Platão e os filósofos cristãos tomam o desejo como uma característica de seres finitos e imperfeitos. (DESEJO, 2008)

Percebemos por tal via que o desejo nos remete a determinado fim, sendo ele a satisfação almejada, sabendo que tal anseio não significa a posse do objeto vislumbrado. Cabe ressaltar que existe uma relação intrínseca entre desejo e objeto, sendo os mesmos considerados inseparáveis.

Freud, o nosso estudioso em questão nas vias do embasado entendimento do desejo, nos apresenta o estágio do desenvolvimento das pulsões, trazendo-nos a compreensão daquilo que ele mesmo chamou de libido ou pulsação do Eros, também chamada “pulsão de vida”. “A palavra libido é o termo latino para ‘desejo’, mais particularmente, desejo sexual” (FURT, 1995, p. 13), Furt também traz a afirmação que por volta de dois anos de idade “os objetos de conhecimento são objetos de intenso desejo” (FURT, 1995, p. 158).

Sabemos que o desejo no ser humano, embora sendo naturalmente presente, nem sempre é considerado lícito por questões sociais, pois, para a vivência ‘saudável’ em grupo tendemos, desde muito pequenos a seguir certos padrões determinados pela sociedade a começar pela sociedade primeira que é a família.

Os desejos, segundo interpretação de Freud, continuam e se conservam independentemente de sua exteriorização e vivência cotidiana externa, conforme nos apresenta:

A repressão nunca significou para Freud a eliminação dos impulsos infantis e desejos; se nada acentua sua oposição, eles se conservam permanentemente na psicologia inconsciente da pessoa. (…) desejos intensos e emoções relativas a outras pessoas são o contexto e a condição do desenvolvimento. Esta vinculação pessoal e sua história de desenvolvimento constituem o que comumente se chama socialização da criança
. (FURT, 1995, p.159)

No entanto, segundo a teoria freudiana, percebemos que reprimir um desejo trata-se apenas de “remetê-lo” ao inconsciente e nunca, eliminá-lo da vida do indivíduo. Os desejos que não são considerados “adequados” ao bem viver são omitidos pelo consciente.

Aos poucos a criança reconhece-se como sujeito de desejos e ações e passa a perceber também o outro como tal.
Já no que diz respeito à busca da satisfação do desejo, nos remetemos à afirmação:
O que se tem na busca da realização do desejo é uma identidade de percepção, ou seja, experiência em que a repetição da percepção é ligada à satisfação da necessidade. (…) O ato de pensar não é outra coisa que a substituição do desejo alucinatório. (MELLO, 1995, p.40)

Não aprofundamos aqui a questão dos sonhos e dos desejos alucinatórios, pois o nosso objetivo neste momento se resume a apresentar tais questões visando um entendimento mais amplo no que diz respeito ao desejo em si.

Se desejar significa tencionar-se em direção a determinado objeto e tal tensão nos leva à percepção ligada à satisfação de determinada necessidade, trazemos como “objeto” de desejo neste artigo o Saber que estaremos explanando a seguir.

O Saber e sua complexidade

A palavra saber “Deriva do Latim SAPERE, ‘sentir o gosto de’, por extensão ‘conhecer, apreender dados’.” (CONSULTÓRIO ETIMOLÓGICO, 2008).

Percebendo que saber vem a significar “ter conhecimento, ciência, informação ou notícia de”, e ainda “compreender, perceber” (FERREIRA, 2001, p. 617), iniciamos a construção dos nossos comentários acerca do nosso “objeto de desejo” aprofundando-nos adiante, seguindo as sábias colocações de Edgar Morin.

Aqui não pretendemos nos posicionar em relação ao saber pura e isoladamente, mas, pelas linhas do processo de ensino e aprendizagem mostrando a complexidade do saber conforme nos afirma Petraglia:

A busca do “ser” e do “saber” uno e múltiplo nos revela uma ciência que, mais do que detentora de verdades absolutas e imutáveis, nos aponta para um caminho de novas descobertas e novas verdades que aceitam a complexidade como uma realidade reveladora, em que o ser humano é ao mesmo tempo sujeito e objeto de su própria construção e do mundo. (PETRAGLIA, 1995, p.13)

A complexidade como sendo uma realidade reveladora vem nos posicionamentos de Edgar Morin, mostrar o processo construtivo do ser humano ao mesmo tempo em que sugere um posicionamento diferenciado da educação como meio transformador da aprendizagem, que entenderemos melhor no decorrer deste trabalho.

 A complexidade aqui:

Trata-se da congregação de elementos que são membros e partícipes do todo. O todo é uma unidade complexa. E o todo não se reduz a mera soma dos elementos que constituem as partes. É mais do que isto, pois cada parte apresenta sua especificidade e, em contato com as outras, modificam-se as partes e também o todo.

Dessa forma, a complexidade é o que não atua a partir de suas ações individuais e isoladas, mas suas ações integradas e dependentes assumem outra forma de expressão e adquirem novas faces. (PETRAGLIA, 1995, p. 48)

Morin afirma que a ampliação do saber é de responsabilidade do pensamento complexo. Isso quer mostrar que o todo e as partes existem juntos, ou seja, pensar o todo sem entender as partes não seria possível; assim como não se pode perceber cada uma das partes isoladamente, separadas entre si e desvinculadas do todo.

“A verdadeira complexidade consiste em saber que nós somos um e outro, inseparavelmente.” (PETRAGLIA, 1995, p.85). Isso é o pensamento complexo de Edgar Morin diante do saber.

Morin critica o ensino fragmentado em disciplinas isoladas afirmando que a fragmentação do currículo escolar nos afasta da visão do todo não favorecendo o diálogo entre os saberes, desta forma as disciplinas e seus conteúdos não se integram ou se complementam, dificultando a aprendizagem.

Apenas para percebermos melhor a aquisição do saber e como se processa, Petraglia afirma:

Morin acredita que a capacidade de aprender está ligada ao desenvolvimento das competências inatas do indivíduo em adquirir conhecimentos, associadas às influências e estímulos externos, da cultura. Assim, a conjunção dos termos inato-adquirido-construído, explica a união do conhecido ao desconhecido no ato de aprender (…) A ação de conhecer está presente simultaneamente nas ações biológicas, cerebrais, espirituais, culturais, linguísticas, sociais, políticas e históricas, por isto, o ser condiciona o conhecer, que ao mesmo tempo condiciona o ser. (PETRAGLIA, 1995, p. 71)

Ao que Morin acrescenta:

Aprender não é apenas reconhecer o que, de maneira virtual, já era conhecido. Não é apenas transformar o desconhecido em conhecimento. É a conjunção do reconhecimento e da descoberta. Aprender comporta união do conhecido e do desconhecido. (MORIN, 1986 apud PETRAGLIA, 1995, p. 71)

Ele propõe a transdisciplinaridade como sendo a forma de rompimento dos limites que existem entre as disciplinas e fragmentam o saber e a visão de educadores e educandos. E isso implica em mudança de atitudes e perspectiva diante da vida, possibilitando o diálogo com a incerteza diante de um modo reflexivo de ver e perceber as coisas e, por fim, mutilando menos o mundo e a aprendizagem.

O desejo de saber

O desejo de saber está presente em toda a existência humana. O desejo é a condição primordial para que o conhecimento se construa e está no corpo de um saber que ainda não sabe de que.

Mas a aprendizagem humana requer dois personagens: um aprendente e um ensinante, sendo que o aprendente recebe o conhecimento atravessado pelo desejo de saber, e o ensinante em contrapartida potencializa tal desejo de saber apontando caminhos necessários para tal construção.

Realiza tal desejo de conhecer apontando caminhos necessários. No desejo de saber o homem constrói, por necessidade de sua natureza, na sempre insaciável sede de mais conhecimentos. Para este homem não há saber completo, definitivo, satisfatório.

E esse desejo de saber, tomando o saber na perspectiva de complexidade de Edgar Morin, pode e deve ser direcionado a qualquer situação/atuação, porém aqui mais especificamente voltada à aprendizagem educacional.

Cada área de interesse se complementa conjuntamente numa perspectiva de todo, assim como o todo, que pode ser um curso, uma série, uma empresa, deve entender cada parte conjuntamente para completar-se no seu significado de todo. E é essa harmonia que deve ser vista e vivenciada para que, de fato, o saber se fundamente e se construa prazerosamente nas buscas de cada ser humano.

Percorrendo as linhas de pensamento de Freud e Morin é possível perceber essa atitude humanamente possível que une emoção e mudança, determinação, ação, perspectivas, e tantos outros fatores sempre presentes no desejo de saber.

O desejo e o saber são características vividas  e construídas pelo ser humano. Sem esse pulsar pelo saber e sem esse anseio pelo novo o que seria do ser humano? Como este veria o momento seguinte de sua vida?

Reafirmando, o desejo de saber está sempre presente na incompletude humana.

É o desejo pelo saber que impulsiona o homem à ação, ao desafio, ao novo.

A aprendizagem é a ferramenta constitutiva do ser humano desde a sua gestação e durante o decorrer de toda a sua vida assim como temos o desejo de saber numa vivência cotidiana.

Porém, o desejo de saber, nas linhas de complexidade já apresentadas neste trabalho, propõe uma nova visão de educação, uma nova forma de direcionar a aprendizagem.

Tal proposta, embora difícil de ser aplicada atualmente nas tantas realidades educacionais que muitos conhecemos, possibilitaria a fomentação do desejo de saber nas diversas áreas de conhecimento, rompendo as barreiras e os limites que dificultam o aprendizado.

Referências

CONSULTÓRIO ETIMOLÓGICO. Disponível em: http://www.origemdapalavra.com.br/consultorio/index.php?entry=0. Acesso em: 16 out. 2008.

DESEJO. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Desejo. Acesso em: 16 out. 2008.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Saber. In: _____. Miniaurélio Século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 617.

FURT, Hans G. Conhecimento como desejo: um ensaio sobre Freud e Piaget. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

MELLO, Denise Maurano. Nau do desejo: o percurso da ética de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; Alfenas, MG: Unifenas, 1995.

PETRAGLIA, Izabel Cristina. Edgar Morin: a educação e a complexidade do ser e do saber. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

Por IVANDILSE SANTOS DOS REIS     –   Pedagoga.

Fonte: Portal Educação

https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/pedagogia/o-desejo-de-saber/56024

 

Redação Portugal

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